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Eram as tuas mãos que eu apertava / Shara Lopes

 


INDIFERENÇA

 

não estava nem aí

nem aqui

não estava

esteve

estava aí                                                mas não aqui

aqui e                                                                             ali estava

e queria estar aí

mas não estava nem aí

 

meu corpo formiga

a betoneira bate toda noite

bagunça meu sono

essa betoneira não é benta

é birrenta!

birra de botar mais barulho em minha já barulhenta cabeça,

logo ela,

que não está nem aí

 

 

 

 

COMPULSÃO SOCIAL

 

Todas as vezes que me aconteceu de cumprimentar com tato

Eram as tuas mãos que eu apertava

Por isso, a cada feita que uma transeunte morria,

Morríamos eu e tu também

Nosso calor se esvaía rumo ao não-estado

[por causa dessas tolas transferências tímidas]

 

Eu sorri incontáveis vezes para muitas faces desconhecidas

E em todas elas havia um pouco de teu ímpeto social e caloroso

Construíste em mim teu posto de observação

Donde vigiavas todo o movimento

Ligeiro, apressado, mas também lento, calmo

E dessas antíteses te alimentavas por minhas retinas, e pelos, e glândulas, e vísceras, e suores, e orifícios

 

Viveste-me ardentemente

Até nós dois sucumbirmos de tuas pesadas doses de contato...

 

Hoje minhas mãos não se sabem ser

Meus olhos desaprenderam a ver

E já não matuto em ser ou não-ser

 

 

CONVITE

 

Quando meu amor me chamou pra ver a lua,

eu não fui

Quando me chamou pra ver a chuva,

eu também não fui

 

Estava ocupada com o batuque e o gingado do dedilhado encantado

Estava ocupada vendo os buchinhos se sustentarem

Estava ocupada com as esperanças que horas depois se frustrariam e

outras horas depois renasceriam para morrer de novo

Estava fissurada no movimento nada tímido das nadadeiras dos cavalinhos

vários pés abaixo da gente

 

Meu amor me perdoou cem vezes

por não acordar e conferir os alinhamentos astrais únicos

porque ele já sabe de nossa mesma constituição alinhadíssima

quase tanto quanto as guitarras dos secos e molhados

Ele acompanha minha cabeça indo e vindo,

minhas retinas sambando em pleno oceano

enquadrado por um azul sem nome

 

Ele me vê buchuda como os cavalinhos do mar que me aprisionam

 

 

Sobre a autora:

 

Shara Lopes nasceu em Valença do Piauí. É professora de Língua Portuguesa do IFPI- campus Picos e doutora em Linguística pela UNICAMP. Gerencia o perfil do instagram @mulheresescritoras.

 

Instagram: @sharallopes


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O Poesia na Alma pertence ao universo da literatura livre, como um bicho solto, sem dono e nem freios. Escandalosamente poéticos, a literatura é o ar que enche nossos pulmões, cumprindo mais que uma função social e de empoderamento; fazendo rebuliço celular e sexo com a linguagem.

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