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Engenharia Poética (Reflexos) / J.M. Gouvêa

 


Gostaria de começar esta minha segunda coluna aqui no site com um agradecimento a todos que leram e deixaram seus comentários no último post. É sempre prazeroso escrever, e é uma honra fazer parte do Poesia na Alma. Mas ter certeza de que não estou “falando sozinho” me motiva ainda mais. Me comprometo a responder todos os comentários feitos em cada coluna até o dia da publicação da seguinte.

 

No texto de hoje resolvi fazer algo que talvez vá de encontro ao seu conceito de poesia. Muitos afirmam que poesia vem da alma. Que poesia é inspiração pura. Que poesia flui… Não a minha. E tenho certeza de que também não é assim com outros autores. Nos parágrafos a seguir irei desconstruir um poema meu desde sua epigênese até sua conclusão.

 

Costumo afirmar que a Arte não precisa ser explicada pelo seu autor. Pior ainda se este tenta dissuadir o consumidor de suas próprias interpretações. A Arte assimilada por um indivíduo diferente do que a gerou tem o direito de ser decodificada sem restrições. Por vezes até, uma mesma pessoa lida com a mesma obra de diferentes formas ao longo da vida. E essa é uma das maiores belezas da Arte. A Arte não tem UM significado, apenas uma autoria.

 

Dito isso, ainda assim me interesso pelas explicações de diretores de cinema, autores de livros e músicos, sobre como estes construíram suas obras. Me fascina conhecer o processo criativo de cada um. Não tenho nada contra quem produz sua Arte de maneira rompante e sem estrutura prévia. Mas este não é o meu método.

 

Tudo começa com uma ideia e o poema estudado aqui foi ventilado com a vontade de rimar apenas com homônimos: palavras idênticas em ortografia e fonética, porém com significados diferentes. E logo um segundo conceito me surgiu: rimas refletidas em estrofes com 4 versos. Primeiro verso rima com o último e o segundo com o terceiro (A-B-B-A), para reforçar a ideia de opostos em um espelho.

 

Assim como uma criança que não percebe o momento de parar com uma brincadeira, decidi ainda que o tema do poema também flutuaria pela ideia dos opostos. Traria em cada estrofe um tema e identificaria os dois lados daquela mesma moeda.

 

O primeiro passo foi levantar o maior número de homônimos que viessem à minha cabeça ou que a pesquisa na internet me trouxesse. Depois, escolher quais seriam os temas de cada estrofe para que minha história pudesse ser contada. Ficou definido que a Vida seria o tema central. A primeira estrofe seria a introdução ao tema. A segunda falaria sobre a loucura. A terceira sobre o amor. A quarta sobre pais e mães. A quinta sobre a alegria e a última sobre a morte.

 

Porém a preocupação maior era a de que toda essa engenharia não sufocasse minha inspiração e por consequência, a beleza do poema. O desafio me tomou praticamente uma semana e, pelo menos para mim, foi recompensador. E você? Planeja seus poemas ou apenas os deixa fluir?

 

Não é toda obra minha que demanda tanto planejamento, mas de vez em quando eu me permito esse tipo de paranoia criativa. Muitos explicam que isso se dá pelo fato de eu ter nascido no final de agosto. Não sei se acredito, mas até gosto de pensar que sofro pela “influência má dos signos do zodíaco”.

 

E é com essa referência a um dos grandes poetas de nossa história, Augusto dos Anjos, que encerro meu texto antes de expor o poema para vocês. Até o próximo papo, viva a sua história!

 

REFLEXOS

 

De pé em frente ao meu espelho eu rio

encarando meu semblante a refletir.

Surge a Musa e me incentiva a refletir

desembocando pensamentos como um rio.

 

Quantos loucos pelo mundo… Quantos são?

Se me acusam de exagero, apenas somem.

Meus argumentos bruxuleam enquanto somem

no hesitar de ser insano ou de ser são.

 

Quanto de amor habita em uma casa

onde o casal usa o afeto como arma?

A terra ainda é seca enquanto a chuva arma.

A dor não se restringe quando alguém se casa.

 

Pais e mães até ajudam em nosso caminho,

cerceando sua cria sem que o mal nos leve.

Porém a carga das amarras, essa nunca é leve.

Dificultam e deixam marcas por onde caminho.

 

Felicidade é como o orvalho na grama.

Surge sem se ver e evapora no sol do verão.

Imortal é o axioma e todos verão:

Alegria e sofrimento são iguais até na grama.

 

Mesmo refletindo, das dúvidas não me livro

E a única certeza é de que um dia morro.

Sigo escalando até pular do morro.

Lendo com avidez até findar o livro.





26 comentários:

  1. Olha, como escritora e poetisa, além de colunista, eu concordo quando diz: "a arte não tem um significado, apenas uma autoria."
    Eu realmente não consumo conteúdo religioso, por exemplo, porque acredito ser uma forma de alguém tentar dissuadir o consumidor de suas próprias interpretações. O que dá muito ruim, dado o histórico da humanidade e seu fanatismo.

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  2. Conversei com um amigo de uma religião diferente da minha sobre isso há pouco tempo. Tem que haver tolerância sempre. Obrigado pelo comentário!

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  3. Olá...
    Sendo sincera eu tenho pouco hábito de ler poemas e poesias. Por isso eu gosto de visitar o blog pois assim eu sei que encontro poemas e vou lê-los. Eu admiro pessoas, assim como você que além de ler, escreve e incentivar outros leitores a ler poemas. Parabéns pelo post.

    Bjos

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    1. Kênia, muito obrigado pelo seu comentário. Quem bom que você tem esse hábito de visitar o Poesia na Alma. Divulga para um amigo ou familiar e aumente nossa turma!

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  4. Eu adorei ler sua reflexão. Acho que nunca parei para pensar como se dá a construção de uma poesia e achei bem interessante a história de Reflexos. Aliás, a própria poesia é bonita e profunda à sua forma. Gostei bastante e espero ler mais poesias suas por aqui.b
    Bjks!
    Mundinho da Hanna

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    1. Hanna, obrigado pelo seu comentário! Seja sempre bem-vinda!

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  5. Olá, J.M. Gouvêa! Gosto muito de pensar sobre as formas como a arte se faz, embora também acredite que são muitas as explicações que podem sugir de uma mesma obra.

    Concordo contigo quando menciona a questão da fluidez da poesia. Eu também aposto na construção, nos caminhos. As entrelinhas são minhas eternas amizades, neste processo.

    Por sinal, fiquei encantada com o resultado de teu trabalho. Com certeza deves se orgulhar, porque teu poema vai nos encantando e despertando uma graciosidade que não sei nem mensurar.

    Termino dizendo que saber da história por trás de sua construção me deu ainda mais encanto ao lê -lo!

    Um grande abraço!

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    1. Vanessa, muito obrigado pelo seu comentário e pelas palavras! Fiquei curioso para conhecer sua obra, pois mesmo neste seu breve comentário deu pra perceber que sua escrita é rica. Um abraço!

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  6. Olá, de uns tempos para cá estou tentando ler mais poesias então achei interessante conhecer seu processo de escrita,

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    1. Debyh, obrigado pelo seu comentário! Quem bom que estou ajudando um pouco neste seu novo caminho. Volte sempre!

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  7. Oi, tudo bem? Desde que comecei a escrever sempre senti que um pouco era inspiração e um pouco sobre contar as experiências que tive ao longo da vida. Não sei as outras pessoas, mas se eu não sentir algo, ou tiver alguma intenção no que escrevo, nem consigo continuar. Gostei muito de como o texto foi escrito. Um abraço, Érika =^.^=

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    1. Erika, obrigado pelo seu comentário! Escrever sem sentir acho que nem pra deixar recado, né? ; )

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  8. Oi, tudo bem? Desde que comecei a escrever sempre senti que um pouco era inspiração e um pouco sobre contar as experiências que tive ao longo da vida. Não sei as outras pessoas, mas se eu não sentir algo, ou tiver alguma intenção no que escrevo, nem consigo continuar. Gostei muito de como o texto foi escrito. Um abraço, Érika =^.^=

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  9. Oi, tudo bem?
    Adorei o texto e as reflexões que trouxe. Confesso que, por não ter muito poesia, nunca tinha parado para pensar em como se dá o processo de escrita de um poema. No entanto, sempre acho interessante conhecer um pouco sobre o processo criativo de cada autor, pois é realmente algo único. Ainda não conhecia o poema que trouxe ao final, mas achei muito bonito. Parabéns pelo post! Um abraço

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    1. Maria, obrigado pelo seu comentário! Nutrimos a mesma curiosidade sobre os processos criativos alheios. O poema era inédito mesmo, em primeira mão aqui pro Poesia na Alma.

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  10. Oiiie J.M. tudo bem?
    Não costumo ler poesias então é totalmente fora da minha área mas assim como você também acredito que a arte assim como a poesia não devem ser explicada e sim, sentida.
    Obrigada pela sua reflexão.

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    1. Camila, obrigado pelo seu comentário! Sentir é preciso!

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  11. Primeiro, amei a frase: A Arte não tem UM significado, apenas uma autoria. Confesso que não tenho a arte pulsando em mim enquanto criadora. Mas, admiro demais... vocês poetas, escritores, ilustradores, atores, artistas no sentido mais restrito da palavra.
    Parabéns! Gostei de ler e de entender o que estava lendo. Porque pela minha falta de afinidade com o gênero, geralmente fico procurando explicações onde elas sequer existem...
    Queria agradecer pela parte introdutório do post. Me ajudou a concentrar a atenção no que importava. Até mais ver!

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    1. Obrigado pelo seu comentário! Que bom que consegui me fazer entender. Essa mídia também é nova para mim. Volte sempre!

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  12. J. M. Gouvêa, seja bem-vindo. Não sou poeta, não consigo dizer tanto com tão poucas palavras, mas me ilumina um bom poema. Ler em palavras de outras pessoas aquilo que nos move, incomoda ou questiona é de uma grandeza e intimidade profundas. Abraço.

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    1. Obrigado! De fato, é necessário um poder de síntese. Mas em compensação utiliza-se palavras e conceitos com significados maiores e em certos momentos mais abrangentes.

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  13. É lindo ver o bailado das palavras e seus diferentes significados sendo usados de forma técnica (e fria na racionalidade) junto ao fervor do que uma alma apaixonada tem a dizer...

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    1. Muito obrigado pelas belas palavras!

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    2. Um simples pé de feijão
      Sorrateiramente cresce
      Sorrateiramente desce
      Um simples pé de feijão

      Um simples pé de feijão
      Cresce nas lembranças
      Desce enraizando lembranças
      Um simples pé de feijão

      Um simples pé de feijão
      Lembranças de entrelaçamentos
      Lembranças de um mundo obsceno
      Um simples pé de feijão

      Um simples pé de feijão
      Entrelaçando me fez dormir
      Obscenamente me fez sentir
      Um simples pé de feijão

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  14. Ótimo artigo! Conteúdo rico em informações interessantes e úteis. Obrigado por compartilhar.

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    1. Vanessa, obrigado pelo seu comentário! Que bom que pude ajudar de alguma forma.

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