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foram os surubins a inaugurar a oralidade / por Maria Cardoso

 



I.

 

estranhas as tilápias

no teu rio,

matutas.

este tambaqui não é daqui,

bem sabes.

 

II.

 

ao abrir o rio

com as têmporas

sentes areias,

fluxo exógeno

de mexilhões-zebra.

 

III.

 

queres mergulhar na noite,

beber pirás e estrelas.

navegas no céu noturno,

cheio de fonemas.

 

IV.

 

também tu és

peixe-lanterna

criando luz nas têmporas,

para remar

na exsurgência

da escrita.

 

V.

 

conta a história

de teu bagre-pintado

aos pequenos

do teu território.

 

imortaliza o peixe

através da tua

história-memória

 

VI.

 

choram os astros

de memórias do piau.

 

e em teu olho d’água

nascem

palavras-piabas.

 

VII.

 

o ferro nos adjetivos

o cobre nos predicados

o alumínio nos sujeitos

 

são cacofonia nas várzeas

assoreadas-atingidas

da sua foz-voz.

 

VIII.

 

tu e o surubim

inauguram

com bexigas natatórias,

a mesma fonética.

 

reconquista a linguagem,

restaura a margem.

 

IX.

 

a água

te mostrará o caminho,

todo caminho é linguagem.

dela não sairás vivo,

sairás verbo.

 

algas vermelhas

 

na primeira vez que entrei no rio

fechei os olhos e mergulhei profundamente

fiquei com gosto de areia e sangue na pele

passei então

a mergulhar como quem para a noite se despe

não completamente, apenas o suficiente

sabendo que tanto na noite quanto no rio

a Areia sempre vem     

 

namazu

 

os peixes-remo medem aproximadamente seis

metros. quando aparecem, dizem aos japoneses

que é tempo de terremotos. a gramática diz:

sua saída causa terremoto. o beiço diz: o terremoto

causa sua saída. hoje, quando se vê um peixe-remo

sabe-se que é tempo de terremotos e tsunamis.

as relações da causa e consequência do influxo

e efluxo de humanos, por outro lado, ainda não

são totalmente conhecidas. há quem diga

que todo humano é prelúdio de incêndio.

há quem acredite que toda carbonização

é prelúdio de humano. não se sabe se houve

guerra porque existem humanos ou existem

humanos porque houve guerra.

aos humanos quando os vemos

resta contar a lenda de um primata que corre como

planta se esconde como pirilampo contempla kintsugi

e sabe como provocar terremotos.

 

 

Sobre a autora:

 

Maria Emanuelle Cardoso nasceu em Montes Claros, Minas Gerais, em 15 de novembro de 2000. Graduada em Ciências Biológicas Bacharelado na Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) em 2023, atualmente cursa o mestrado em Biodiversidade e Uso dos Recursos Naturais (PPGBURN) na mesma instituição. Além de bióloga, é poeta e educadora popular. Realiza pesquisas na área de etnoecologia, com ênfase no campo de redes de troca de sementes e mudanças climáticas. Seu livro de estreia amarelo mostarda, foi publicado em 2024 pela editora Nauta. Também tem poemas publicados em mais de 40 antologias e revistas em português, inglês e espanhol. Recebeu o segundo lugar do Prêmio Poesia Agora Verão 2021 (Trevo) e foi selecionada para o Clipe Poesia 2023 na Casa das Rosas. Seu segundo livro de poemas, “foram os peixes a inaugurar a linguagem”, está no prelo.

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