Header Ads

da crueldade/ beatriz hierro lopes klein





Cruel. Chamam-me. Que talvez seja de mim a crueldade das costas que se viram, das mãos que se fecham ou da boca que se cala. Sou, de veias, vidro partido, e do meu sangue apenas posso dizer «somente sangue» enquanto lavo o que me mancha. Sem nódoa sou corpo inteiro, cabelo castanho escuro, e um espelho onde talvez veja passar a minha própria sombra. Sei do mundo o que dele vi: que nunca foi de mim, o desvio. Reta, sigo o choro de velhos; as asas partidas das gaivotas; os gatos atropelados e de olho caído sobre o asfalto; a terra e o único cão que levei ao colo na tarde em que as nuvens subiram desde o fundo do Mondego só para dançarem sobre as nossas cabeças. Sou da água como do chão e quando me pedem lume ofereço névoa por ser dela o princípio da chama. De onde venho ninguém mais virá, e talvez seja apenas isso que haja para dizer, enquanto ouço «cruel» e sorrio. Por saber de todas as vezes em que é a crueldade é chamada no lugar dos pulsos que, por lhes correr o vidro, se abrem e deixam cair sobre a terra os grilhões que um beijo planeou. Sou cruel, o mesmo é dizer que sou do vidro que corta e que me abre portas e janelas na casa do meu corpo de onde escrevo estas linhas.

10 comentários:

  1. Interessante como o lado cruel pode ser ao mesmo tempo o lado bom, tão bem mostrado no texto, mas que me encantou na frase final " vidro que corta e que abre portas e janelas na casa do meu corpo."
    Amei.
    Bjs Rose

    ResponderExcluir
  2. Adoro textos assim, que conforme vamos lendo, vamos interpretando de uma forma. E o interessante é que nem sempre podemos interpretar do mesmo jeito de outra pessoa, não é?
    O texto é profundo e nos mostra que nem tudo que é cruel é feio. Às vezes é uma forma de nos protegermos.
    beijos

    ResponderExcluir
  3. Olá, tudo bem? Caramba, que texto mais incrível! Além de ser muito bom, abre portas para diversas interpretações diferentes de diversos leitores. Adorei!

    Beijos,
    Duas Livreiras

    ResponderExcluir
  4. "Sei do mundo o que dele vi" Que coisa mais profunda, que escrita mais maravilhosa! Acho que esse é realmente o conceito, a nossa experiência com o mundo é sentir, ver, absorver, extremamente sensorial, esse tipo de coisa reverbera na escrita, como foi esse o caso.

    ResponderExcluir
  5. Amei o texto! Profundo e um tanto quanto complexo. Permitindo diversas reflexões e interpretações. Já anotei o nome da autora aqui, quero conhecer mais sobre ela.
    Beijo

    ResponderExcluir
  6. Não sei se é o sono ou eu que sou lerda, mas não entendi muito bem o texto... parece ser profundo e poético, mas não compreendi a mensagem por trás dele. Poderia me explicar melhor?

    ResponderExcluir
  7. Olá, tudo bem? Texto lindíssimo! Gosto das metáforas e dualidades encontradas nas nuances. Não conhecia textos assim, mas adorei! E irei pesquisar mais sobre quem escreveu <3
    Beijos,
    http://diariasleituras.blogspot.com.br

    ResponderExcluir
  8. Olá, adorei o texto, ele esta muito bem escrito deixando aberto a diversas interpretações *-* Vou procurar outros textos da autora para ler depois *-*

    ResponderExcluir
  9. Olá!
    Adorei o texto. Por segundos consegui vislumbrar aquele olhar profundo que dizia cada palavra dele. Tocante!
    Bjim!
    Tammy

    ResponderExcluir

O Poesia na Alma pertence ao universo da literatura livre, como um bicho solto, sem dono e nem freios. Escandalosamente poéticos, a literatura é o ar que enche nossos pulmões, cumprindo mais que uma função social e de empoderamento; fazendo rebuliço celular e sexo com a linguagem.

Instagram: @poesianaalmabr