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james baldwin e a rua beale

(Magnolia Pictures/Ringer illustration)



Nascido em 1924, na cidade de Nova York, e falecido em 1987, James Baldwin foi romancista, ensaísta, dramaturgo, poeta e crítico social contra o racismo, misoginia, desigualdade social e a homofobia. Abortado pelo pai, cresceu entre oito irmãos e com poucos recursos financeiros. Sua mãe casa-se com o pastor David Baldwin que o jovem James enxergava como pai.

Apesar disso, a relação com o padrasto era difícil e permeada pelo ódio. Porém, de contrapartida, tinha uma relação afetuosa com a mãe e a avó, que relatava a vivência do período da escravidão. O autor também constrói uma longa amizade com uma professora, Orilla Miller, que dura até sua morte – da professora – em 1984 e dialoga ferozmente com a cultura e literatura erudita. Para o autor, essa amizade lhe rendeu “suporte intelectual a sua resistência instintiva contra a opressão que ele já conhecia de antemão”.



Baldwin era pobre, negro, raquítico, considerado feio e afeminado, muitos aspectos que pioraram o teor da violência que sofreu ao longo da vida, isso lhe rendeu medos incomuns e quase paranoia na vida adulta. Ao passo que também se torna um homem engajado intelectual e politicamente, em 1953 publica seu primeiro romance de sucesso ‘Go Tell It on the Mountain’ e passa a influenciar grandes autoras negras como Toni Morrison e Alice Walker, de A Cor Púrpura.

Apesar de seus textos refletirem as injustiças do sistema estadunidense, Baldwin não apreciava rótulos, portanto, não se via como engajado ou panfletário, mas um escritor com voz, o que não altera o fato de sua voz ser uma denúncia dos excluídos, porque sua voz, como ele mesmo conceituou, era o testemunho.

Os negros deste país são ensinados a se desprezar desde o momento em que abrem os olhos neste mundo.  (James Baldwin, 1963)



O seu quinto romance, se a rua beale falasse, publicado originalmente em 1974 e relançado pela Companhia das Letras (2019) com tradução de Jorio Dauster, foi adaptado para o cinema e indicado ao Oscar. Narrado em primeira pessoa pela protagonista Tish, o principal fato que o leitor irá descobrir ou, talvez, reconhecer, é que se um negro não tivesse um dono branco, seria um ‘preto mau’.

Ele não era o preto de ninguém. E isso era um crime na porra deste país livre. Supõe-se que você seja o negro de alguém. E se você não for o preto de alguém, então você é um preto mau: e foi isso que os policiais decidiram quando o Fonny se mudou para downtown

Tish está grávida e Fonny, pai da criança e amor de Tish, está preso acusado injustamente de estupro. A inocência, entretanto, não é o ponto forte ou mesmo as provas da inocência, mas como funciona o racismo institucional com base num crime em que o verdadeiro culpado não importa.

Tish, nós chegamos aqui faz muito tempo e o homem branco não deu nenhum pregador pra abençoar a gente antes de termos nossos filhos. E você e o Fonny estariam juntos agora, casados ou não, se não fosse por causa desse mesmo maldito homem branco. Por isso, deixa eu te dizer o que você precisa fazer. Tem que pensar no bebê. Tem que se agarrar a esse bebê, e não se importar com o que mais pode acontecer ou não. Você tem que fazer isso. Ninguém pode fazer isso por você. E nós todos, bom, nós vamos te amparar. E vamos conseguir tirar o Fonny da cadeia.

Não há dúvidas, por exemplo, que uma mulher fora estuprada, não há dúvidas que existe um estuprador protegido pela branquitude. E Tish, com apenas 19 anos e grávida, descobre mais um efeito cruel da supremacia branca nos Estados Unidos. Resta a Tish e a Fonny lutar contra essa supremacia para continuarem juntos.

‘Agora, escuta, não sou do tipo de gaiato que vai te dar trabalho correndo atrás de outras garotas e esse tipo de merda. Fumo um baseado de vez em quando mas nunca enfiei uma agulha em mim e na verdade sou bem careta. Mas...’ Ele parou e me olhou com toda calma, os olhos bem fixos em mim: havia uma dureza nele que eu praticamente desconhecia. Dentro dessa dureza se movia seu amor, como uma torrente ou um fogaréu se move, acima da razão, muito além de qualquer argumento, incapaz de ser minimamente modificado por qualquer coisa que a vida possa trazer. Eu era dele e ele era meu – e de repente entendi que seria uma garota muito infeliz ou até morreria se alguma vez tentasse desafiar aquele decreto.

Com a ajuda do pai, sogro e principalmente da mãe e da irmã, Tish procura um advogado branco que vai percebendo suas chances de defesas sendo minadas e o obvio cada vez mais desvelado, a vida das pessoas negras sendo definidas por um sistema racista, corrupto e doente, povoado de brancos e brancas.



Na obra, há outro aspecto cruel, que em muito se assemelha na relação do autor com o padrasto, os efeitos do racismo que adoecem. A mãe e irmãs de Fonny, também mulheres negras, relembram o algoz, a violência com que reage o algoz depois de muito ser vítima de todo um sistema e mais uma vez retomo as palavras do próprio autor que melhor exemplificam a construção destas três personagens: “Os negros deste país são ensinados a se desprezar desde o momento em que abrem os olhos neste mundo”.

se a rua beale falasse é um livro curto, o impacto está no quanto podemos ser éticos nesta leitura que exige criticidade para além de critérios eurocêntricos, o quanto podemos esvaziar dos padrões intelectuais higienistas e perceber a sensibilidade, crueza e acidez na voz de James Baldwin.

Na intenção de não mais me estender nesta resenha em que não foi possível dizer muito, deixo como sugestão o documentário Eu não sou seu negro, de Raoul Peck, sobre o livro nunca terminado de e os livros editados pela Companhia das Letras em 2018, Terra Estranha e O Quarto de Giovanni, este último sendo um dos mais importantes do autor e um clássico moderno da literatura gay.

10 comentários:

  1. Olá, tudo bem? Não conhecia esse autor nem o livro ainda, mas depois de ler tudo o que tu disse é impossível não ficar curiosa para ler a obra. Adorei a dica, sem dúvidas irei ler!

    Beijos,
    Duas Livreiras

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  2. Eu tenho um livro dele aqui, esse que saiu pela Cia das Letras, da capa verde, mas ainda não tive tempo pra ler ele.
    Adorei sua pesquisa sobre o autor, a história dele é muito bonita, espero que eu consiga tempo pra ler os livros dele. Adorei!!

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  3. Olá, gostei muito de saber um pouquinho sobre o autor e sobre esse livro, que é uma leitura que quero muito fazer, décadas se passaram e infelizmente ainda temos discriminação acontecendo como na época em que a obra foi escrita.

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  4. Olá

    Eu conhecia o escritor da época que fazia Ciências Sociais e gostei mundo da voz que ele emanava de suas obras e principalmente a forma que ele nos questiona, já que somos doutrinados com conceitos europeus fortes e suas histórias nos retiram essa venda dos olhos.

    Beijos

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  5. Vale lembrar que o autor era bff da Nina Simone hahaha. Fico feliz demais em saber que um autor tão incrível para a comunidade negra, está sendo traduzido finalmente, os textos dele são maravilhosos. Eu estou louca para assistir o filme e sei que irei me emocionar bastante.

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  6. Eu quero muito ler Se a Rua Beale falasse e ver seu post sobre o autor e sua obra me deixou bem animada, com certeza é uma obra cheia de mensagens impactantes e espero ter a oportunidade de ler em breve.

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  7. Olá!
    Não conhecia o livro, mas nossa, a premissa é muito triste e traz muitas reflexões, sem dúvidas uma leitura necessária mesmo assim! Adorei conhecer mais sobre o autor também!

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  8. Olá, tudo bem? Adoro acompanhar as postagens do seu blog porque pego algumas dicas fora da minha zona de conforto, o que mais quero nesse momento. Com certeza dica anotada pela temática, pela importância do assunto e relevância. Acho que primeiramente irei assistir o documentário e depois partirei para o livro físico. Ótimas palavras!
    Beijos,
    https://diariasleituras.blogspot.com

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  9. Oie!

    Estou amando a forma na qual vem postando atualmente em seu blog, pois me apresenta muitos autores que até então me eram desconhecidos. Adorei conhecer Baldwin e fiquei bem curiosa para ler esse livro mesmo ele não sendo muito o meu estilo

    beijos

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  10. Olá tudo bem?
    Ainda não conhecia esse autor e depois dessa resenha maravilhosa me sinto mau por isso. Sinto que muito autores otimos continuam no desconhecido e não consigo pensar, pelo menos não depois desse texto, que talvez a cor de suas peles tenha algo a ver com isso.
    Gostei de conhecer Baldwin e me interessei bastante pelo livro.
    Espero ler em breve.

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O Poesia na Alma pertence ao universo da literatura livre, como um bicho solto, sem dono e nem freios. Escandalosamente poéticos, a literatura é o ar que enche nossos pulmões, cumprindo mais que uma função social e de empoderamento; fazendo rebuliço celular e sexo com a linguagem.

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