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A paz só aparece nessas horas em que a guerra é transferida





Eu não sou da paz. 
Não sou mesmo não. 



Eu não sou da paz. Não sou mesmo não. Não sou. Paz é coisa de rico. Não visto camiseta nenhuma, não senhor. Não solto pomba nenhuma, não senhor. Não me venha me pedir para chorar mais. Secou. A paz é uma desgraça. Uma desgraça!

Carregar essa rosa boba na mão... Nada a ver com não. Não vou fazer essa cara chapada. Não vou rezar! A paz não resolve nada. Para onde marcha? A paz fica bonita na televisão. Você viu lá aquela atriz no trio elétrico, aquele ator? Vou não, não vou!

A paz é muito certinha, tadinha. A paz tem hora marcada. Vem governador participar, prefeito, senador e até jogador. Vou não, não vou! A paz é perda de tempo. E o tanto que eu tenho para fazer hoje? Arroz e feijão, arroz e feijão, sem contar a costura. Meu juízo não ta... A paz me deixa doente. Sabe como é? Sem disposição. Sinto muito, sinto muito! A paz não vai estragar o meu domingo.

A paz nunca vem aqui, no pedaço. Reparou? Ela Fica lá ó, lá! Tá vendo? Um bando de gente dentro dessa fila demente. A paz é muito chata. Paz não fede nem cheira. Paz parece brincadeira, mas é coisa de criança. Tai uma coisa que eu não gosto, esperança. A paz é muito falsa. A paz é uma senhora que nunca olhou na minha cara. A paz não mora aqui no meu tanque. A paz é muito branca. A paz é pálida. A paz precisa de sangue.

Já disse. Não quero. Não vou a nenhum passeio, nenhuma passeata. Não saio, não movo uma palha, nem morta! Nem que a paz venha aqui bater na minha porta, eu não abro! Eu não deixo entrar. A paz está proibida, proibida! A paz só aparece nessas horas em que a guerra é transferida. Agora é que a cidade se organiza, para salvar a pele de quem? A minha é que não é. Eu é que não vou acompanhar andor de ninguém. Não vou, quer saber? Eles é que se lasquem! Eles que caminhem a tarde inteira, porque eu cansei. Eu não tenho mais paciência. A paz parece que está rindo de mim. Reparou? Eu vou fazer mais o quê? Hein?

Quem vai ressuscitar o meu filho? Joaquim... Eu é que não vou levar a foto do menino lá embaixo, ficar esfregando na avenida a minha ferida, muito menos ao lado de polícia. Toda vez que eu vejo a foto do Joaquim, dá uma saudade. Sabe? Uma dor na vida. Uma dor, dor... Ai, ai, ai... A minha vontade é de sair gritando, urrando, soltando tiro. Juro, meu Jesus, matando todo mundo. Eu matava todo mundo, todo mundo! Pode ter certeza. Mas a paz é que é culpada. A paz é que não deixa.

[Texto de Marcelino Juvêncio Freire recitado pela poeta Naruna]

7 comentários:

  1. Olá

    Eu fiquei chocada com a apresentação e gostei disso, porque me colocou para refletir: A paz é um produto para o branco se promover? Porque os excluídos e silenciados sofrem diariamente e o branco só lembra deles quando alguma atrocidade aconteceu e assim usa da dor para ganhar o status que tanto almeja.

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    1. Esse vídeo é muito forte, o texto chega a rasgar a alma e a poeta Naruna tem uma força em sua interpretação que nos move do lugar de comodismo, como você mesma disse, nos faz refletir. A primeira vez que vi ela recitando esse texto, chorei muito

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  2. Oi, tudo bem? Nossa, adorei o texto, achei forte e, por mais que não concorde totalmente com ele, entendo que é a realidade de muita gente. Conseguiu me fazer refletir bastante, obrigada! :)

    Love, Nina.
    www.ninaeuma.blogspot.com

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  3. Olá! Tudo bem?

    Eu gosto dos seus posts, pois eles. Noa fazem refletir, bom, ao menos me fazem refletir. Nunca tinha visto a paz por essa perspectiva e é preciso entender que é uma perspectiva de muitos

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    1. Verdade, Maria. A paz também se tornou produto do mercado

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  4. Olá, belo texto, já vi esse vídeo em algum não me lembro onde, fortes palavras sem dúvida!

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  5. nossa, Lili. assim tu destrói meu psicológico, porra. kkkkkkkkkkkkkkkkkk
    caramba, que texto lindo... mais tarde eu vou dar uma sacada no video, tô pelo pc do trabalho, sem condições... :(
    o texto traz uma crítica muito bem construída... um verdadeiro soco no estômago...

    bjs <3

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O Poesia na Alma pertence ao universo da literatura livre, como um bicho solto, sem dono e nem freios. Escandalosamente poéticos, a literatura é o ar que enche nossos pulmões, cumprindo mais que uma função social e de empoderamento; fazendo rebuliço celular e sexo com a linguagem.

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