Header Ads

Resenha – Repara na manhã que nos rodeia

 



Abrir José Luís Peixoto e me deparar com o melhor que a poesia pode oferecer, traz brandura para este ano desafiador e permeado de incertezas. “Repara na manhã que nos rodeia” foi a primeira frase que li quando abri Regresso a casa,  seu livro de poemas, lançado este ano pela Editora Dublinense.

 

Repara na manhã que nos rodeia.

Saúda essa claridade, é um sopro

a correr-nos nas veias. Em tempos,

escrevi: quando me cansei de mentir

a mim próprio, comecei a escrever

um livro de poesia. Hoje, voltei a

aprender essa lição e, por isso,

acendi a existência que nos rodeia

e nos preenche, que está toda

a parte apenas porque estamos

parados diante desta palavra:

manhã.

(...) 

 

By imagem: Editora Dublinese

O autor esmiúça a solidão entre quatro paredes durante o isolamento social em Portugal em virtude do Covid-19. A casa, seu cenário principal, permite viagens, que passam na nostalgia, família, lembranças como realidade principal, experienciando um descocar-se parado.   

 

Olhamo-nos nos olhos pela internet.

 

Eu transmito-te este domingo à tarde,

a voz do vizinho através da parede.

 

Tu transmites-me a distância que existe

depois do que consigo ver pela janela.

 

Durante a noite mudou a hora e, no entanto,

continuamos no tempo de ontem.

 

Como é raro este domingo, não podemos

garantir que amanhã seja segunda-feira.

 

O futuro perdeu-se no calendário, existe

depois do que conseguimos ver pela janela.

 

O futuro diz alguma coisa através da parede,

mas não entendemos as palavras.

 

Lavamos as mãos para evitar certas palavras.

 

E, mesmo assim, neste tempo raro, repara:

tu e eu estamos juntos neste verso.

 

O poema é como uma casa, tem paredes

e janelas, é habitado pelo presente.

 

Olhamo-nos nos olhos pela internet,

estamos verdadeiramente aqui.

 

O poema é como uma casa,

e a casa protege-nos.

 

Entre paredes, a palavra de Peixoto está em trânsito, vagando por memórias, pela própria existência. No abraço dos filhos que o relembra quem é “Quando os meus filhos me abraçam, como acontece/ nas páginas desse livro, ocorre um fenómeno insólito:/ sou eu que me abraço: uma parte de mim abraça/ outra parte de mim (...)” .  Assim o autor segue em pequenos blocos intitulados por Quarentena, Diário, Galveias, Coreia do Norte, Oeiras, Tailândia, China, Tradutores, Bibliografia, em que família, trabalho, viagens são contemplados na imensidão do que pode ser uma casa. Ainda bem que ainda nos resta a possibilidade de transitar livremente pelas memórias.


9 comentários:

  1. Oi Lilian, sua linda, tudo bem?
    Estamos todos ganhando tempo para parar. E esse inércia nos empurra ao movimento de refletir. E nada melhor do que revisitar as memórias para se autoconhecer e se autotransformar. Lindo o poema, perfeito para o momento que passamos. Adorei sua interpretação também!!!
    beijinhos.
    cila.

    ResponderExcluir
  2. Olá, tudo bem? Essa perspectivas de poemas e poesias durante a pandemia ao mesmo tempo que é acolhedor com o que sentimentos durante esse tempo, mostra também o isolamento que aconteceu entre os seres humanos. Não conhecia obra, mas depois de tudo que disse e mostrou quero muito me aventurar. Adorei!
    Beijos

    ResponderExcluir
  3. Gostei das comparações com o cotidiano!
    Não tinha lido nada do autor então achei interessante conhecer.

    ResponderExcluir
  4. Eu andei comprando uns livros da Dublinenses esse ano, inclusive de Poesia. Para ver se consigo me conectar mais com o gênero... Foi uma importante decisão. Se tivesse a oportunidade de ter conhecido a respeito da obra Regresso a Casa naquela época, teria adquirido junto. Porque gostei muito do teor e principalmente da sensação que causa quando lemos esses trechos.
    Adorei o post. Deixarei anotado para uma próxima visita ao site da editora. Beijão.

    ResponderExcluir
  5. Que lindos os poemas, amei.
    Interessante a proposta do autor na pandemia. Eu particularmente não consegui criar nenhum poema nessa pandemia. Bloqueio total. Quem sabe esse ano esse bloqueio passe.

    ResponderExcluir
  6. Nossa, nota-se as aflições e o sofrimento do autor em seus poemas, por motivo dessa tragédia que nos assolou ano passado. É uma obra que deve ter muito sentimento dele e para não ficar transtornado, passou para o papel. Muito bom, fiquei interessado em ter essa obra.

    ResponderExcluir
  7. É excelente esse momento de se deparar com o melhor que a poesia pode oferece! E super concordo com a visão de que um poema seja como uma casa. Pois, os poemas têm sido como uma casa acolhedora para mim, nessa quarentena.Gostei de conhecer essa forma do autor de vagar por memórias da própria existência, ao usar as palavras.

    ResponderExcluir
  8. Oii! Tudo bem por aí??
    Puxa! Eu às vezes me pego a pensar em quantas coisas nós nos pegamos a ter de nos virar, a fim de burlarmos esses momentos tão conturbados que temos vivido. Principalmente quando tudo começou, por sertão novo, perturbador. E aí, a poesia vem justamente pra nos aliviar e nos tirar esse sufoco, certo nó que dá na garganta, aperto no peito e tantas confusões que nos têm atordoado. O cara arrasa!
    Não conhecia ainda, incluir a editora. Bela dica! Gosto demais de poesias!

    ResponderExcluir
  9. Peixoto, meu homiiii 😍😍😍
    Mlr, eu curti muito a leitura desse título dele. Tbm li ano passado, me apaixonei cada vez mais pelo autor.

    ResponderExcluir

O Poesia na Alma pertence ao universo da literatura livre, como um bicho solto, sem dono e nem freios. Escandalosamente poéticos, a literatura é o ar que enche nossos pulmões, cumprindo mais que uma função social e de empoderamento; fazendo rebuliço celular e sexo com a linguagem.

Instagram: @poesianaalmabr