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Passei a sonhar com a morte / Jéssica Iancoski

 



LITERATURA

 

esquecidos na mudança — deixei para trás a casa

o quarto da criança e os últimos anos da infância

 

justo no ano que me impôs o fim na primeira década

costuraram em mim a primeira linha cadavérica

 

passei a sonhar com a morte: tão serena vestido lilás

dizendo-me para deixar — também — a dor para trás

 

e pensei no meu irmão: tão pequeno e tão sozinho

ainda a contar nos dedos os seus primeiros medos

 

depois gentilmente fechei a felicidade nas pálpebras

assim: como aquele que para sempre deixa de ser

 

por fim, da minha criatura, transmutei um novo mundo

para que vivêssemos  ingênuas crenças frente ao absurdo

 

 

ORGULHO

 

perguntarei a você sobre os seus motivos

para se orgulhar e você me responderá

sobre a sua inteligência riqueza e beleza

 

você olhará para mim e achará que sou menos

não sou a mais inteligente rica ou bonita

 

mas eu vi um homem rico perder a riqueza

o inteligente conhecer a demência

e a mulher mais bonita definhar a beleza

 

por isso na minha dor nada me falta e mesmo

que me tirem as pautas e me roubem a calma

me restará a gentileza a inocência e a alma

 

e quando é isso tudo aquilo que sobressalta

não é preciso de mais nada para se orgulhar

 

 

WORKAHOLIC

 

uma mão se estende em minha direção

e eu só vejo a garra o tapa a frustração

 

estou fechada em mim e carrego um silêncio

uma dor que desconheço um cansaço intenso

 

nenhuma palavra me penetra ou me pertence

estou trancada num passado que não me lembro

 

não quero ser tocada nem beijada nem cuidada

rompe em mim as marcas da infância abandonada

 

sou o risco no vidro a quina do móvel roído

a bagunça pela casa — uma tristeza ocupada

 

Sobrea autora:

Jéssica Iancoski é pessoa nem-binária. Escritora, poeta, artista plástica e editora. Tem participações em antologias, jornais e revistas. Já publicou no Brasil, Argentina, Colômbia, Espanha, Galiza e em Portugal. Teve o poema “Rotina Decadente” reconhecido pela Academia Paranaense de Letras, aos 15 anos. É idealizadora do Toma Aí Um Poema (podcast, revista e editora) e responsável pela primeira publicação de pelo menos 600 autores e autoras. |  Contato jeiancoski@gmail.com


6 comentários:

  1. Olá, muito tocante. Para mim poesia precisa agulhar algum nervo que traga dor e alívio na mesma medida e ao mesmo tempo e foi isso que senti ao ler seus poemas. Que venham outros. Abraço. Léo.

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  2. Textos muito reais, tocantes e fortes. Gostei bastante dos temas serem tão nossos, tão próximos. Jéssica está de parabéns, tudo muito lindo.

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  3. Eu gostei muito do tom melancólico e realista das poesias da Jessica. O que mais gostei nesse post, foi o primeiro poema. Além de tudo que faz a gente sentir... também estou me mudando!

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  4. J. Ianconski nos surpreende sempre!

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O Poesia na Alma pertence ao universo da literatura livre, como um bicho solto, sem dono e nem freios. Escandalosamente poéticos, a literatura é o ar que enche nossos pulmões, cumprindo mais que uma função social e de empoderamento; fazendo rebuliço celular e sexo com a linguagem.

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