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Três poemas de Augusto dos Anjos

 



SOLITÁRIO

 

Como um fantasma que se refugia

Na solidão da natureza morta,

Por trás dos ermos túmulos, um dia,

Eu fui refugiar-me à tua porta!

Fazia frio, e o frio que fazia

Não era esse que a carne nos conforta...

Cortava assim como em carniçaria

O aço das facas incisivas corta!

Mas tu não vieste ver minha Desgraça!

E eu saí, como quem tudo repele,

– Velho caixão a carregar destroços –

Levando apenas na tumbal carcaça

O pergaminho singular da pele

E o chocalho fatídico dos ossos!

 

O DEUS-VERME

 

Fator universal do transformismo,

Filho da teleológia matéria,

Na superabundância ou na miséria,

Verme – é o seu nome obscuro de batismo.

Jamais emprega o acérrimo exorcismo

Em sua diária ocupação funérea,

E vive em contubérnio com a bactéria,

Livre das roupas do antropomorfismo.

Almoça a podridão das drupas agras,

Janta hidrópicos, rói vísceras magras

E dos defuntos novos incha a mão...

Ah! Para ele é que a carne podre fica,

E no inventário da matéria rica

Cabe aos seus filhos a maior porção!

 

RICORDANZA DELLA MIA GIOVENTÚ

 

A minha ama de leite Guilhermina

Furtava as moedas que o Doutor me dava.

Sinhá-Mocinha, minha mãe, ralhava...

Via naquilo a minha própria ruína!

Minha ama, então, hipócrita, afetava

Susceptibilidades de menina

“– Não, não fora ela –” E maldizia a sina,

Que ela absolutamente não furtava.

Vejo, entretanto, agora, em minha cama,

Que a mim somente cabe o furto feito...

Tu só furtaste a moeda, o ouro que brilha...

Furtaste a moeda só, mas eu, minha ama,

Eu furtei mais, porque furtei o peito

Que dava leite para a tua filha!

 

(Augusto dos Anjos. Eu e Outras poesias. Coleção L&PM Pocket. 1998. Eu e outras poesias inclui o livro Eu (1912), único livro publicado em vida, e poesias publicadas de forma esporádica durante sua vida)

16 comentários:

  1. Oi Lilia, sua linda, tudo bem?
    Esse nome não me é estranho, acho que eu devo ter lido algo sobre o autor na escola, não lembro mais. Gostei muito do estilo dele. Só aqui no seu blog que eu tenho acesso à poesia. Por favor continue trazendo mais autores clássicos a nossa literatura!!
    beijinhos.
    cila.

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  2. Infelizmente não conhecia o autor , mas amei as poesias , eu não sou muito de ler poesia mas adoro quando me deparo com uma sabe? É gratificante ler algo tão profundo tão cheio de significado , adorei de verdade.

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  3. Li apenas dois livros dele na faculdade e amei, o autor possui uma escrita impecável. Adorei o primeiro poema.

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  4. Eu aprecio bastante livros de poesia e conhecer novos poemas me deixam instigada. Sou grande fã de edições da Coleção L&PM Pocket. Acho que já li algo de autoria dele, só não me lembro bem. Curto quando cada verso está carregado de significados como estes.

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  5. Oi, tudo bem? Lembro do autor quando fazia cursinho pré-vestibular. Tive um ótimo professor e ele sempre incentivava conhecer diversos autores e suas obras. O que mais gosto nesses poemas é a linguagem um tanto rebuscada. Isso sempre despertou minha curiosidade, tentar entender qual era o objetivo ou a mensagem a ser transmitida quando foram escritos. Um abraço, Érika =^.^=

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  6. Eu sou meio problemática com Poesia. Não que eu não goste... longe disso. Mas, nem sempre consigo absorver tudo que deveria. Queria ter mais facilidade com o gênero.
    Suas escolhas foram pontuais! Tudo lindo e tocante. Eu nunca tinha visto poesias do autor...
    Grande abraço

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  7. Oi, Lilian! Eu sempre tive muita dificuldade com poemas, no entanto tive uma professora de literatura no ensino médio que era bem apaixonada por Augusto dos Anjos e isso me marcou. Lembro dela trabalhar "Eu" com a gente e dizer várias vezes "Hoje é dia do poeta da morte"!

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  8. Aaah Augusto E maravilhoso. Amo essa primeira poesia, é uma das minha preferidas. Vou até dar uma relida no que tenho dele aqui, sempre bom revisitar os versos dele.
    🖤🖤🖤

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  9. Olá,
    Não sei se realmente entendi, ainda sou muito novata em poesia. Mas posso dizer que ainda é muito avançado para mim entender Augusto dos Anjos.

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O Poesia na Alma pertence ao universo da literatura livre, como um bicho solto, sem dono e nem freios. Escandalosamente poéticos, a literatura é o ar que enche nossos pulmões, cumprindo mais que uma função social e de empoderamento; fazendo rebuliço celular e sexo com a linguagem.

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